É uma visão medonha uma caveira? Não tremas de pavor, ergue-a do lodo. Foi a cabeça ardente de um poeta, Outrora à sombra dos cabelos loiros, Quando o reflexo do viver fogoso Ali dentro animava o pensamento, Esta fronte era bela. Aqui nas faces Formosa palidez cobria o rosto... Nessas órbitas-ocas, denegridas! - Como era puro seu olhar sombrio! Agora tudo é cinza. Resta apenas A caveira que a alma em si guardava, Como a concha no mar encerra a pérola, Como a caçoula a mirra incandescente. Tu outrora talvez desses-lhe um beijo; Por que repugnas levantá-la agora? Olha-a comigo! Que espaçosa fronte! Quanta vida ali dentro fermentava, Como a seiva nos ramos do arvoredo! E a sede em fogo das idéias vivas Onde está? onde foi? Essa alma errante Que um dia no viver passou cantando, Como canta na treva um vagabundo, Perdeu-se acaso no sombrio vento, Como noturna lâmpada, apagou-se? E a centelha da vida, o eletrismo Que as fibras tremulantes agitava Morreu para animar futuras vidas? Sorris? eu sou um louco. As utopias, Os sonhos da ciência nada valem, A vida é um escárnio sem sentido, Comédia infame que ensangüenta o lodo. Há talvez um segredo que ela esconde Mas esse a morte o sabe e o não revela, Os túmulos são mudos como o vácuo. Desde a primeira dor sobre um cadáver, Quando a primeira mãe entre soluços Do filho morto os membros apertava Ao ofegante seio, o peito humano Caiu tremendo interrogando o túmulo E a terra sepulcral não respondia. Levanta-me do chão essa caveira! Vou cantar-te uma página da vida De uma alma que penou, e já descansa. fonte: http://www.casadobruxo.com.br/poesia/a/alvares25.htm |
domingo, 5 de junho de 2011
Glória Moribunda (Álvares de Azevedo)
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