domingo, 26 de junho de 2011

O navio negreiro ( análise)

II - Navio negreiro (*)


O poema Navio Negreiro foi escrito por Castro Alves – tocado e totalmente influenciado pela atmosfera libertária que empolgava a mocidade acadêmica – o poeta abraçou o ideal abolicionista. Teria sido escrito dois meses depois da correspondência entre Machado e Alencar, no dia 18 de abril de 1868. O poeta estava, portanto com 21 anos de idade. Hoje o poema está com 139 anos, portanto.

O que um crítico literário no ano de 2007, teria a dizer sobre um poema escrito no século XIX, com o tema social mais polêmico daquela época? Haveria uma ponte entre aquele tema e a nossa atualidade? O Navio negreiro foi escrito em 1850. Portanto, o Brasil já era um país pré-republicano e a Lei Euzébio de Queiroz de 1850, proibindo o odioso comércio de escravos, já havia sido assinada. Em 1854, outra Lei foi assinada, a Nabuco Araújo que impedia o desembarque navios negreiros nas contas brasileiras. As leis não estariam sendo cumpridas? Sabemos que o abolicionismo no Brasil se deu por etapas, havia muita resistência por parte dos proprietários, que se confrontavam abertamente com o Imperador. A Princesa Isabel só viria assinar a Lei Áurea em 1888. Porém, conter o tráfico de escravos parecia tarefa impossível até mesmo para a poderosa Marinha Britânica. Lembre-se que a Inglaterra foi o primeiro país a gritar contra a Escravidão. Suspeita-se haviam barcos contrabandeando homens seqüestrados da África até o final do Século XIX, portanto, em plena era condoreira. E hoje, a escravidão do homem pelo homem foi realmente extinta? Castro Alves teria sido oportunista ao levantar uma bandeira de luta já hasteada pelos republicanos? Porém, o poeta não era apenas abolicionista, era um defensor das liberdades: a liberdade política, a liberdade social e até mesmo a liberdade sexual. Neste sentido, Andrade (1979, 346) chegou a dizer “Castro Alves fue entre nosotros el primer propagandista del divorcio.”

                O poema Navio Negreiro, com seu subtítulo "Tragédia no Mar", é produto genuíno da escola romântica de conteúdo liberal. O tema é realista na sua pungente atualidade. Com uma poética presa à palavra, que depende do seu fluxo sedutor, o poeta dos escravos preserva sua essencialidade. Vale lembrar do ensaio de Andrade (1979, p.353); “Castro Alves, dominado por el patagruelismo da carnívoro de la oratória (...), se ocupo de sistematizar el empleo de la palabra em su sentido exacto, iluminándola com uma luz nueva e muy perniciosa.”

S’ tamos em pleno mar
...Doudo no espaço
Brinca o luar — dourada borboleta;

 O poema começa, pois, descritivo — e a afirmação inicial, reiterada nas próximas três estrofes, pretende reforçar, na sua enfatização estilística, uma atmosfera de sugestão poderosa.  O luar seria "uma dourada borboleta" porque visto, como se a esvoaçar. Mas a interiorização da perspectiva não tarda a se desfazer nos versos de ação. As vagas correm. Os astros saltam.
A primeira parte de Navio Negreiro contém onze estrofes compostas em quartetos, com dois versos decassilábicos, rimados. Castro Alves aponta a imensidão do oceano e do firmamento, que "ali se estreitam num abraço insano". A onisciência do poeta cede lugar, pela primeira vez, à interrogação, à dúvida, na quinta estrofe:

Donde vem ? onde vai ? Das naus errantes
Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço ?
 
   O poeta traça um constante paralelo de idéias e imagens e o leitor é levado a deduzir que o quadro grandioso descrito não pode permitir a nódoa infame, "este borrão" que é o navio negreiro.

Albatroz ! Albatroz ! Dá-me estas asas.

Castro Alves recorre ao albatroz, pedindo que lhe dê asas, quer ser veloz e alcançar o "barco ligeiro", que lhe foge. Todo o pavor na terceira parte do poema, constituída de uma única estrofe — uma sextilha em versos dodecassilábicos. Ainda antes, na segunda parte, em décimas de redondilha maior, com rimas alternadas, Castro Alves insiste no objetivo do contraste, ao cantar o fado e a glória dos marinheiros de todo o mundo:

Nautas de todas as plagas,
Vós sabeis achar nas vagas
As melodias do céu !...
Mais adiante, em estrofes heterométricas, combinando alexandrinos com hexassílabos, presta-se admiravelmente ao verso direto, cortante e afiado, fulgindo no ar, em lampejos de ira.
Era um quadro dantesco... o tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho
Em sangue a se banhar.
 
O talento no uso das palavras, a sedução fácil, sobretudo dos adjetivos, trazem uma enorme carga emotiva. E elas, entregues à força imanente, apoiadas na grandiloqüência do poeta, comunicam em cheio a poesia. "... as relações de sua linguagem ordenam-se à base de uma dinâmica que, em determinados estágios, ele já não poderá controlar. Os sintagmas, progressivos, como que se projetam em espiral". (Godofredo Filho, 1959, apud Pólvora) É que a sua oratória também se embebe de subjetividades. No fervor de suas causas, na exaltação do temperamento libertário, o poeta pôs toda a alma e firmou, então, a arquitetura do poema.
A quinta parte, em décimas de redondilha maior, com rima variada, acentua o exercício de indignação. O poema passa do motivo às conseqüências. A declamação procura sensibilizar mais ainda as consciências, através da imprecação e da apóstrofe. O Poeta interpela o Deus dos desgraçados. Apela para a fúria das tempestades, noites e astros. Convoca o tufão a varrer dos mares o brigue dos horrores:
                                    
Quem são estes desgraçados
Que não encontram m vós
Mais que o rir calmo da turbas
Que excita a fúria do algoz ?
 
A última parte de Navio Negreiro, em oitavas heróicas, decassílabos camonianos, ajusta-se aos açoites finais da indignação de Castro Alves na montagem de dois quadros díspares — o canto da Natureza não conspurcada, a poluição do mar pelo barco de escravos — e, entre um e outro, o hemistíquio de suas interrogações. Novamente aí, no majestoso final, estão alguns dos versos mais encantatórios e flamejantes da escola que Castro Alves personificou no Brasil:

Meu Deus ! Meu Deus ! mas que bandeira é esta
Que impudente na gávea tripudia ?
(...)
Auriverde pendão da minha terra
Que a brisa do Brasil beija e balança.

            O menino mais eloqüente do romantismo brasileiro ainda continuará causando polêmica. Seu valor poderia ser medido pelos que se interessaram pela poesia dele. Neste trabalho vimos Mário de Andrade, Carlos Drumonnd, José de Alencar e Machado de Assis. Há ainda muitos críticos e escritores que se manifestaram sobre sua obra. O seu Navio Negreiro ainda faz parte da nossa realidade. Quem ou o quê será o atual Navio Negreiro? Os milhões de filhos de Deus que estão buscando lugares para sobreviver em terras longínquas e são explorados e desrespeitados pelos grandes proprietários do planeta nas diversas partes do mundo? Na América, em muitos países da Europa, no Japão? Os deserdados entregues aos coiotes do México?
Não há como ignorar o pungente drama de todas estas pessoas angustiadas, oprimidas e aflitas que vagam pelo mundo em busca da vida melhor que se lhes escapa entre os dedos. Falta-nos coragem, competência para mudar o curso da história atual. Mas há muitos condoreiros modernos fazendo a sua parte. Muitas vezes, cruelmente silenciados, por vezes tão jovens como Castro Alves.   A história parece se repetir em outros contextos e com novos personagens.

(*) A análise feita do Navio Negreiro é quase totalmente baseada, quase uma colagem do texto do Pólvora, citado nas referências.
    As referências 3 e 4 não estão com as datas dos ensaios, apenas com a data de acesso.




Referências:
1. ANDRADE, Mário de.  Obra. escogida : novela, cuento, ensayo, epistolario / Mario de Andrade ; selección, prólogo y notas, Gilda de Mello e Sousa ; cronología, Gilda de Mello e Souza y Laura de Campos Vergueiro. Caracas : Fundación Biblioteca Ayacucho, 1979. pp. 345-347.
2. Diálogo Epistolar entre José de Alencar e Machado de Assis - Publicada no Correio Mercantil, Rio de Janeiro, 1 de março de 1868. Disponível em: http://www.revista.agulha.nom.br/machado04.html  Acesso em 19/06/2007.
3. PARANHOS, M. da C. Castro Alves e a busca da poesia. Disponível em: http://www.revista.agulha.nom.br/castroalves.pdf    Acesso em 10/06/2007.
4. PÓLVORA, Hélio. Navio Negreiro. Disponível em:

15 comentários:

  1. agradeço por ter postado a analise,entretanto use palavras menos rebuscadas,para facilitar no entendimento...obrigado!

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  2. Ia esquecendo, se preocupe com o contexto da obra,nao com a analise intertextual da morfologia das palavras..

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  3. muito bom o comentário,Horácio Simões

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  4. nuhnluimiçm
    jhyugyuj
    oiu






    foda-se

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  5. ótimo texto, apenas de observação, acho que seria mais interessante usar menos palavras rebuscadas na explicação em vista que muitos jovem no ensino médio buscam isso, como é o meu caso.

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  6. Excelente! Um pouco difícil para um aluno comum, mas interessante para um aluno que se desafia. Parabéns!

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